sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"OS COLETORES"


Uma premissa intrigante e original sempre é um bom primeiro passo para o desenvolvimento de uma obra extraordinária. Veja Minority Report, por exemplo, a idéia de prender assassinos antes deles cometerem crimes, baseando-se nas visões de cognitivos. Explorada com maestria por Steven Spielberg, esta é uma ficção científica antológica que expande as barreiras da ciência e cria diversos questionamentos morais. Vingador do Futuro atingiu este mesmo nível de excelência. E isto apenas para citar dois exemplos, em um farto espectro de obras de um gênero rico e limitado apenas pela criatividade e invenção de seus roteiros.

Os Coletores, apesar de tematicamente similar ao pavoroso Repo! The Genetic Opera, conta com uma premissa original - até porque na minha opinião "aquilo" não deveria ter existido. Em um futuro próximo, uma empresa chamada A União financia órgãos artificiais (ou artiforgs), como corações, pulmões, fígados. Aos beneficiários cabem o pagamento das prestações mensalmente, e em caso de atrasos, os coletores do título poderão legalmente extrair o órgão (ou repossuí-lo) do corpo da pessoa inadimplente. Um curioso conceito que o personagem de Jude Law em determinado momento compara com a hipoteca de uma casa por um banco qualquer.

Nas mãos de roteirista e/ou diretor competentes, este conceito não apenas seria expandido satisfatoriamente como facilmente provocaria notórios dilemas. Sem me aprofundar, mas repossuir um coração se resume a um homicídio, ao mesmo tempo em que é perfeitamente justificável pois a propriedade daquele coração é da empresa que se não o houvesse fornecido em primeiro lugar já teria causado a morte do paciente. A própria natureza da descoberta de enxertar órgãos artificiais no corpo humano produziria up grades que antes não seriam possíveis, como uma super audição, ou aperfeiçoamento da visão, dentre outras coisas.

Mas, Os Coletores não está interessado em nada disto. Com sua narrativa extremamente derivativa - similar a Minority Report - Remy (Jude Law), um coletor, ao repossuir um órgão acaba sendo vítima de uma descarga que o torna beneficiário de um coração artificial. Não conseguindo pagar as dívidas e em meio a separação de sua esposa, Remy acaba se voltando contra o próprio sistema que antes defendia, desenvolvendo uma consciência tardiamente. Jake (Forest Whitaker), seu melhor amigo, acaba sendo escalado para repossuir o coração de Remy, que parte em uma cruzada contra A União e todo o sistema.

O diretor Miguel Sapochnik investe em um futuro com trens que andam entre os arranha-céus - alô, alguém viu Batman Begins? -, e apresenta uma técnica de induzir pessoas à beira da morte a um sonho eterno e feliz - igual a Vanilla Sky talvez -, mas tudo que é descrito ou apresentado carece de um ar de novidade, se tornando enfadonho e exaustivo. Até mesmo o interior das casas aparenta-se demais com "o presente" e não um futuro próximo. Se o visual futurísta é ruim, pior o desenvolvimento da narrativa e seu senso de humor desprezível. Por exemplo, testemunhar uma operação cirúrgica realizada por uma criança ou um filho que acerta acidentalmente a mãe com um tranquilizante. No entanto, Sapochnik atinge o fundo do poço em uma cena erótica em que Remy e Beth (Alice Braga), substituem o prazer do orgasmo pela dor de um procedimento cirúrgico manual.

Pobre Jude Law, que no meio da incoerência narrativa acaba não sabendo se está em um filme de humor, um drama, ou uma ficção científica. Atravessando às 2 horas de projeção quase que com um ar de incredulidade, o ator é sabotado sempre quando parecia desenvolver algum arco dramático. Em determinado momento ele praticamente abandona o filho, completamente desviado do caráter do personagem. E se Liev Schreiber parece rir de si mesmo, Forest Whitaker me surpreendeu, negativamente, com as motivações de seu personagem e o porquê dele ter feito o que ele fez me permanece um mistério absurdo (ok, a culpa não é dele, é do roteiro, mas quem mandou assinar?).

Grotesco quando deveria manter-se misterioso e recheado com cenas descartáveis quando deveria ser oportuno e inteligente, o roteiro ainda tenta mandar o espectador para casa com um final surpreendente, que é telegrafado em pelo menos três momentos quando é mencionado ou em um diálogo entre os personagens ou em um anúncio fora de cena. Desta maneira, Os Coletores representa todas as características que uma ficção deve evitar: previsível, derivada, preguiçosa, inepta. Um dos piores filmes do ano, certamente.

NOTA 1 RUIM