quarta-feira, 22 de setembro de 2010

"DESTINOS LIGADOS"


Três mulheres. Incapazes, incompletas e absolutamente desarmadas. Três vidas ligadas por outra existência que remete aos tempos da concepção. Reflexões sobre a incompetência humana de reverter situações que foram condicionadas em sua base e resolvidas no outro extremo da existência, tardiamente. “Destinos Ligados” direciona o público naquela ferida que, em busca de uma (sobre)vivência mais confortável, é deixada de lado, escondida, propositalmente esquecida pelos anos.

Em tempos de criações mecânicas e elétricas que desafiam as leis naturais e colocam em dúvida as limitações originais e históricas do homem, temos um filme sobre incapacidades. E a principal delas é a humana. Por isso, talvez, seja desconfortável ver projetada, em uma tela gigante de cinema, para ser assistida e comentada, aquela verdade que você carregava meio de lado, meio segredo: aquela solução jamais encontrada. Ou, ainda pior, inexistente.

A personagem de Naomi Watts partiu de uma infância traumática para uma carreira jurídica bem sucedida. Nesse percurso, alheia aos olhares vigilantes das regras de convivência, tornou-se uma mulher solitária e ambiciosa, e decidiu conseguir para si o que lhe foi negado desde o seu nascimento. E é perdida nessa busca sem fim que a personagem desce mais fundo em sua solidão.

Em outro ponto da cidade, Annette Bening vive uma enfermeira de meia idade amargurada por lembranças que não ousa verbalizar, embora seus atos traiam suas ambições e revelem um passado não resolvido. Na tentativa de suportar sua inércia, a personagem cria para si um modelo de conduta que exige certezas antes de demonstrar o que ainda lhe resta de humano.

O elenco de protagonistas ainda abre espaço para Kerry Washington, que enfrenta sérios problemas para dar um filho ao marido. Entre salas de centros de adoção e se sujeitando aos caprichos de uma adolescente grávida, a personagem de Washington condiciona sua felicidade ao alcance de sua meta, cujas ferramentas para atingi-la naturalmente lhe foram injustamente retiradas.

Se essas mulheres são naturalmente complexas, o trabalho do time de protagonistas resgata o que há de mais intrínseco em seus papeis. Confiantes como sempre, Watts e Bening oferecem uma segurança inarrável ao andamento de trama. A primeira delas, habituada aos papéis frágeis que condizem com seu tipo físico, demonstra uma versatilidade impressionante ao assumir um papel que impõe respeito e dominação. Para Bening, não há o que se acrescentar, seu histórico é suficiente. Kerry Washington acompanha os modos pueris de seu papel, mas não deixa a qualidade de seu trabalho cair quando precisa atingir picos dramáticos. Samuel L. Jackson e Cherry Jones completam o rol de atores que merecem destaque.

Se o apuro dramático dos atores e o trabalho impressionante do roteirista podem ser alçados ao título de obra-prima, o conservadorismo técnico de “Destinos Ligados” coloca o filme em um plano mais terreno. As opções de câmera, a linguagem fotográfica e a escolha da música soam de modo arcaico, embora não falhem em momento algum.

Felizmente, este é um filme para ser sentido. Nele, qualquer traço de tradicionalismo técnico parece pouco importante. Caso seja simplesmente assistido, “Destinos Ligados” surpreende pela potência de sua história e segurança de suas atrizes. Para aqueles que decidem assumir sua proposta, tudo o que foi escrito em parágrafos anteriores parece insignificante, incompleto, incapaz. Como eu. Como você.

NOTA 5 EXCELENTE