domingo, 26 de setembro de 2010

"COINCIDÊNCIAS DO AMOR"


Quando visualiza-se o título de “Coincidências do Amor” (em mais uma tradução deplorável) juntamente com a foto de Jennifer Aniston no pôster, é praticamente impossível não associar o filme a mais uma comédia romântica protagonizada pela atriz, além de gerar uma certa dúvida acerca da qualidade da obra. Afinal, atualmente Aniston é a rainha do gênero, tendo trabalhado em filmes como “O Amor Acontece”, “Caçador de Recompensas”, “Ele não Está tão a Fim de Você”, “Dizem Por Ai” e tantos outros, sempre como a mocinha pela qual o mocinho se apaixonará ao longo da história.

No entanto, Aniston parece ter lapsos de boas escolhas ou mesmo fugas de sua “zona de conforto”. Foi assim com o agradável “Amigas com Dinheiro” e o mediano “Fora de Rumo”, que lhe proporcionaram interpretar papéis mais dramáticos. Mas agora já se pode acrescentar mais um longa para essa sua curta lista. Desviando-se de buscar na beleza e na simpatia da atriz seu principal objetivo, esta dramédia surpreende com seu inteligente texto, direção competente e boas atuações, principalmente do companheiro de tela de Aniston, o qual eu sempre tive uma certa desconfiança, mas dessa vez ele me surpreendeu,Jason Bateman.

Aniston e Bateman interpretam o casal Kassie e Wally. Não, eles não são namorados ou casados, mas sim amigos de longa data com incrível intimidade e harmonia entre si. Incapazes de acharem o par perfeito para que possam constituir família, eles seguem em suas bem sucedidas carreiras, vivendo e apreciando Nova York. Até que Kassie tem a idéia e a posterior certeza de fazer uma produção independente: quer ter um filho sozinha, através de uma inseminação artificial comum.

Com o doador escolhido, ela chega até a fazer uma festa para celebrar essa nova etapa em sua vida. A comemoração, porém, acaba provocando uma troca de conseqüências drásticas. Wally, um homem brilhante, mas cheio de manias, além de temporariamente embriagado, substitui o sêmen do forte e atlético doador Roland (Patrick Wilson) pelo dele. A imediata mudança de Kassie para outra cidade, então, os afasta. Sete anos mais tarde, no entanto, quando ela e seu filho retornam para a Big Apple, Wally percebe que o menino não se parece apenas fisicamente com ele, mas possui semelhanças em praticamente todos os âmbitos.

De fato, a sinopse de “Coincidências do Amor” contribui para aquela desconfiança desagradável. Mas a cena de abertura do longa já revela que não se está diante de um filme raso, previsível e acima de tudo comum. A descrição de Wally acerca da correria da vida mundana, com planos que exibem a rotina das ruas e dos metrôs de Nova York, deixa claro que esta é uma película diferente. Trata-se de um filme com ritmo e tom próprios, verdadeiro em seus sentimentos e dono de uma leve dramaticidade que conquista.

Boa parte dos méritos aqui estão no roteiro sensível de Allan Loeb, ele sabe como fugir dos clichês e contar uma trama com um desenvolvimento gradual, que principalmente acerta na composição da personalidade de seu protagonista. Wally é um homem sem nenhum atrativo especial, mas nem por isso menos carismático. Seu mau-humor, sua neurose acerca de tudo e até a maneira como geme ao comer são convertidos em características positivas em relação ao público. É difícil não se afeiçoar com ele.

Além disso, o roteiro é sensível ao tratar a relação dele com sua amiga. Absolutamente apaixonado por Kassie, Wally não tem coragem de se declarar. É medroso. Não quer arriscar perdê-la. E talvez por essa hesitação, além da incrível sintonia que possuem, eles pareçam feitos um para o outro. Então, quando ela parte da cidade, mesmo que durante poucos minutos durante a projeção, a saudade não se torna apenas uma sentimento de Wally. E inegavelmente, este é um sinal que conta inúmeros pontos a favor do filme.

A volta de Kassie, entretanto, representa bem mais do que um sinal de que o casal ficará junto. Representa também uma incrível queda de qualidade no longa. Ao inserir Sebastian (Thomas Robinson), filho da personagem de Aniston, na trama, o roteiro se perde em meio a piadas bobas, diálogos forçados e situações que buscam exibir as semelhanças entre pai e filho, indo da maneira como agem até aquele mesmo modo de comer. A antes simples figura do personagem de Patrick Wilson também se converte em uma caricatura desnecessária.

A situação não fica pior porque a direção de Josh Gordon e Will Speck é segura e decide não seguir com a fuga de tom do roteiro. Nesse sentido, uma cena é bastante representativa. Na sequência em que Bateman revela em plena reunião de família o segredo que guarda a tempos, o tapa de Aniston interrompe o que poderia ser um tumulto de conseqüências devastadoras para o sucesso do filme. Em condições normais, o Wally que a trama apresenta na primeira hora de duração jamais teria uma atitude como essa.

Mesmo assim, “Coincidências do Amor” se constitui uma surpresa, trazendo ainda em suas atuações um triunfo. Se os coadjuvantes Jeff Goldblum e Juliette Lewis, como os amigos inseparáveis dos protagonistas, cumprem muito bem uma função cômica, os próprios não deixam a desejar. Jennifer Aniston surge mais comedida e não menos eficiente. Ela deixa para Jason Bateman o papel de estrela, e ele sabe o que fazer, em uma performance que transita sabiamente do drama a comédia. Esta é mais uma bola dentro da atriz, que parece melhor quando permite que os outros brilhem em seu lugar.

NOTA 3 BOM