terça-feira, 25 de maio de 2010

"KICK ASS"


Matthew Vaughn é marido da antiga Top model alemã Claudia Schiffer, produziu em parceria com Guy Ritchie seus dois melhores filmes Snatch- porcos e diamantes e Jogos, trapaças e dois canos fumegantes e ajudou a desconstruir os contos de fada , dirigindo o eficiente Stardust, mas com certeza vai ficar mais conhecido ainda no mundo do cinema , por subverter a imagem de uma garotinha de apenas 11 anos em Kick Ass.

A recente diarréia de filmes de super-heróis há muito que pedia uma desconstrução, uma paródia concreta e inteligente, que agradasse tanto a fãs como quem fosse contra o género. “Kick-Ass- O Novo Super-herói“, podia ser esse filme, mas infelizmente prefere optar pela velha máxima “se não pode vencê-los, junte-se a eles”. E assim, aquilo que podia ser um filme importante para a cultura popular das novas gerações, fica-se por um excelente divertimento, com alguma inteligência, irreverência a rodos e muita, mas muita violência mesmo.

O aspecto mais forte de Kick-Ass está, sem dúvida, nas personagens. Fugindo a estereótipos, conseguem surpreender pelas decisões que tomam, tornando o filme menos previsível do que à partida poderia ser. O destaque vai para a personagem de Hit Girl, uma menina de 11 anos que é uma assassina impiedosa, pragueja e é fã de armas de alto calibre. Os melhores momentos do filme são protagonizados por ela, especialmente pela subversão que é feita da imagem de uma criança. É algo original e divertido, mas que tem causado alguma polêmica fora das salas de cinema.

O filme tem uma grande mistura de estilos e influências. Por mais estranho que possa parecer, Kick-Ass parece um cruzamento entre Juno, Spider-Man e Kill Bill. As dúvidas existenciais da adolescência estão lá, bem como a reflexão sobre o que é um super-herói. No entanto, esses momentos são pontuados por cenas sangrentas (a maior parte protagonizadas por Hit Girl) com um exagero e uma ligeireza típicos de Tarantino.

Dave Lizewski é um nerd, fã de histórias em quadrinhos e da internet, sem jeito nenhum para as mulheres, mas apaixonado por uma garota do colégio, para quem ele é absolutamente invisível. Após ser assaltado pela milésima vez, decide ser super-herói (com uniforme que mais parece um traje de mergulhador verde e amarelo do que qualquer outra coisa), para combater o crime e livrar os palermas como ele da escória da sociedade. Claro que ele vai sentir o peso da realidade, mas ao recorrer à Internet, cedo se torna num fenômeno de popularidade. Isso vai atrair o grande criminoso da cidade, mas também aqueles que, como ele, querem fazer justiça pelas próprias mãos.

Realizado por Matthew Vaughn (“Layer Cake” e “Stardust“) e adaptado da popular H.Q. de Mark Millar e John Romita Jr., “Kick-Ass” começa muito bem. A excelente caracterização de Dave vai alastrando para outras personagens, criando uma teia de estórias que mais cedo ou mais tarde, sabemos que se cruzarão. Mas Vaughn leva o seu tempo, entretendo-nos com estórias bem contadas, profundas (tanto a de Dave / Kick-Ass, como a de Mindy Macready / Hit-Girl e do seu indescritível pai), cruzando o filme de adolescente com o desencanto da maturidade e das aspirações a algo mais, mesmo que, neste caso, seja algo tão absurdo como ser super-herói. E é aqui que o filme acaba por falhar: porque um filme com esta premissa nunca poderia ser levado a sério, transformar esta estória num espetáculo visual de ação, com heróis mascarados armados até aos dentes e a voar, acaba por ser um pecado imperdoável.

No entanto, está longe de ser um mau filme. Tem um elenco excelente, que cumpre bem aquilo que lhe é pedido, mesmo quando entra nos terrenos do drama familiar ou nos problemas típicos da adolescência. Na melhor parte do filme (os primeiros dois terços), é um deleite ver Chloe Moretz (Hit Girl), Nicholas Cage (Big Daddy) ou Aaron Johnson (Kick-Ass). Moretz, claramente o melhor papel do filme, é deliciosamente perversa, uma mortífera heroína de apenas 11 anos, graças ao pai, que deveria ser denunciado aos serviços sociais pela educação que dá à filha. Cage tem aqui o seu melhor papel nos últimos anos e é extremamente eficaz na composição do psicopata à procura de vingança. De Mark Strong, pouco há a dizer, apenas reforçar aquilo que já disse: é um dos atores que mais vem se especializando em construir vilões no cinema vide os recentes Robin Hood e Sherlock Holmes. Mas diferentemente desses outros vilões interpretados por ele, achei que nesse papel ele se encaixou melhor e atuou muito bem e nem precisou de um vilão histérico ou demente e muito menos fazer a sua característica cara de mal que vem fazendo nos filmes anteriores.

A realização de Vaughn é segura e pragmática, conseguindo excelentes momentos e criando mesmo algumas cenas memoráveis, quer pela ironia, pela profundidade de personagens e sentimentos ou apenas por uma forma de entretenimento tão corrosiva e deliciosamente imoral. Não fosse ser traído pelo argumento no último terço e seria certamente um dos melhores filmes do ano. Funcionam a seu favor, a fotografia, a direção artística, a caracterização, os efeitos especiais, mas principalmente uma trilha sonora recheada de pérolas escolhidas a dedo (Danny Elfman, Primal Scream, Prodigy, Ennio Morricone, etc.).

Resumindo, “Kick-Ass” é um excelente divertimento, que podia e prometia ser algo mais, mas que ainda assim consegue ganhar na comparação com blockbusters do genero, como o recente “Iron Man 2”. É um filme inteligente (nos primeiros dois terços), que pisca o olho aos fanáticos pelos comics, mas que agradará também a quem procura um cinema mais adulto e sobretudo mais irreverente.

Matthew Vaughn conseguiu transformar “Kick-Ass” numa excelente produção que certamente irá agradar à esmagadora maioria dos apreciadores das histórias de super-heróis porque lhes irá apresentar uma faceta mais humana e mais realista destes ícones populares. “Kick-Ass” é sem duvida uma produção imperdível que merece ser apreciada por qualquer espectador que não se impressione facilmente com grandes doses de violência gratuita. A sua conclusão deixa em aberto uma possível continuação que certamente irá ser anunciada em breve.


NOTA 4 ÓTIMO