sábado, 5 de junho de 2010

"O ESCRITOR FANTASMA"


Nesta adaptação do romance “The Ghost”, escrito por Robert Harris, um escritor Fantasma, pessoa que escreve para outra sem receber os créditos pelo trabalho, é contratado para completar as memórias do ex-primeiro-ministro britânico Adam Lang vivido por Pierce Brosnan. A princípio, ele nega, mas quando fica ciente de que aquela é a oportunidade de sua vida, ele aceita e parte para o desafio. A falta de claridade entre os fatos ocorridos na vida de Lang, a misteriosa morte de seu antecessor neste trabalho, o fator político envolto, tudo isso aliado à fotografia e à linguagem do diretor, transformam em um filme de suspense intrigante, no qual a verdade pode custar caro a quem encontrá-la.

Os traços do diretor Roman Polanski e seus problemas reais com a justiça estão presentes mais do que nunca na obra. O próprio isolamento de Adam Lang representa um pouco o isolamento vivido pelo diretor, embora o contexto político aproxime mais a obra com a vida de Tony Blair. Assim, observamos uma obra repleta de mistérios, em que muitos destes estão ligados ao mundo da política sempre com um olhar crítico interno do problema.

Ewan McGregor é o escritor fantasma encarregado da missão. Sua função na obra está muito relacionada à função de seu personagem à medida que o mesmo também serve de desculpa para mostrar o que acontece do lado de dentro da política, marcado sempre por traições de diversos níveis e gêneros. Assim, enquanto o escritor vai tentando entender a vida do político, o espectador também vai entendendo o real objetivo da obra. Quanto ao trabalho de McGregor, pode ser considerado eficiente do ponto de vista de interesse da obra.

Em uma obra em que o clima de mistério se mistura com um fundo político e sensível de Polanski, a fotografia não poderia ser mais adequada. Ela é fascinante. O tom cinza exalta ainda mais o mistério, bem como o ambiente isolado em que Lang vive e sua falta de vida. Uma cena logo vem à mente de quem percebeu esse lado poético da obra. Uma pessoa que trabalha para Lang tenta varrer uma área da casa do ex-ministro, mas não consegue devido à ventania. Ele não desiste, embora o vento sempre o faça começar de novo. Assim, a cena serve para inúmeras interpretações. A triste rotina de uma pessoa que vive isolada, a impossibilidade de lutar contra o sistema envolvido ou a própria política e seu lado repetitivo.

A condução cadenciada do filme é um dos seus grandes pontos fortes. Histórias de mistério possuem um segredo bastante intrincado de serem levadas de modo a nem deixar o público com a impressão de que a solução está sendo apressada, muito menos de possuírem um ritmo arrastado. O filme leva o seu tempo apresentando os seus personagens, deixando crescer a tensão e a paranoia, ao mesmo tempo em que dá algumas respiradas mais leves, com um humor cínico e cômico até.

A trilha sonora é outro ponto forte na obra. Além de exaltar o suspense na obra, ela segura uma parte do filme em que toda a história política começa a cansar o espectador. Polanski mantém seu senso estético apurado. Além de um elegante trabalho de câmera, vida a cena do bilhete no clímax do filme, bem como a tomada que encerra a produção, temos a maneira espetacular com a qual ele retrata o reduto de Lang, em transparências que conseguem ser tremendamente intimidantes. O design de produção e a direção de arte são soberbos e só melhoram com a paleta de cores cinzenta e opressiva.

E se quase tudo na obra ecoa de forma eficiente, o forte apelo político e o ambiente forçadamente popular ofusca o seu resultado. A conotação política deveria ter ficado apenas em segundo plano, uma vez que a obra perde um pouco sua identidade própria, não só quanto ao gênero, mas, principalmente, quanto à mensagem. Ainda assim, temos uma intrigante obra em que suas qualidades sustentam a história e o público até o desfecho.

NOTA 4 ÓTIMO