terça-feira, 26 de outubro de 2010

"MARIA ANTONIETA"


Na trama, Maria Antonieta deixa seu palácio aos quatorze anos para casar-se com o delfim Luís XVI, herdeiro do trono francês. Inexperiente e resguardando a inocência de uma jovem cheia de aspirações para sua vida, Antonieta vê-se em um ambiente de intrigas e chacotas em Versalhes e a não aceitação de uma vida sacal acaba transformando-a em uma vilã para o povo francês, por não saber como lidar com as problemáticas políticas e por ter seus anseios de liberdade e de uma juventude que não se diferencia quase em nada do mundo contemporâneo. Em Versalhes, Antonieta viverá momentos de crise pessoal e mundial, sendo tachada desde frígida a impiedosa. Tendo que aprender a viver em um mundo de reverências e inveja, a jovem passa a conviver com companhias que não agradaram a linhagem real do palácio, desfrutando da luxúria consumista e dos desejos hormonais, já que seu casamento era uma preocupação, pois, quanto mais era forçada a seduzir o rei e gerar um filho, menos Antonieta conseguia colaboração de seu parceiro.

A essência feminista de Coppola está cada vez mais amadurecida. Suas pretensões estão se tornando grandes desafios em sua carreira e certamente a construção de "Maria Antonieta" é uma das mais problemáticas. Depois de seus filmes anteriores como roteirista e diretora, é impossível não perceber que a cineasta tem um feeling muito forte ao ambientar sua história e determinar o que será trabalhado em cena. Coppola ousa de uma forma que muitos cineastas veteranos não se atreveriam a ousar e isso se dá pela segurança e na crença em seu talento. De uma sensibilidade incrível, Coppola traz em "Maria Antonieta" elementos que o transformam em mais um grande filme.

O primeiro ato do longa é um tanto sacal, visto sua evolução posterior. Sempre cheio de reverências e de um estranhamento da protagonista com o novo mundo que teria que enfrentar, poucos seriam capazes de ridicularizar Versalhes e Coppola, além de fazê-lo, retira toda a beleza e encantamento do palácio como um todo. Parece que ali dentro só servem os móveis e as pessoas são meras transeuntes fofoqueiras. Todo o processo de aceitação de Maria Antonieta em sua nova vida e as dificuldades vividas aos quatorze anos, onde as cobranças eram maiores do que uma menina ingênua poderia suportar, são perfeitamente registrados e humanizam a rainha. Vale ressaltar que em nenhum momento Coppola pretende defender a polêmica figura de Antonieta, mas faz um estudo psicológico e comportamental do que é uma adolescente ser forçada a receber o mundo em suas mãos e não saber administrar. É aí que se encontra todo o contexto do longa.

Para muitos, a soberba e a vida que Antonieta resolve viver para não endoidar dentro de um ambiente medíocre, pode até pintá-la como a vilã da história da França. Fato ou mito, a Maria Antonieta de Coppola é apenas uma demonstração do despreparo dos jovens em sua visão de mundo. Na realidade, a rainha não sabia em que contexto estava vivendo, muito menos conhecia as possíveis repercussões mundiais de seus atos nada agradáveis. Regado de uma trilha sonora contemporânea que foi bastante criticada por não se enquadrar no ambiente da época, um pouco de bom senso justifica a escolha. Maria Antonieta é nada menos do que um paralelo ao que os adolescentes são hoje em dia e isso condiz não só pelas aspirações, mas sim pelas cobranças que o sistema impõe e todo o rigor familiar. Esta relação é tão clara que é impossível não deixar de compactuar com as fugas que a personagem estabelece para tentar viver um pouco de sua meninice, como se buscasse uma liberdade retirada de si.

Coppola fez questão de deixar em segundo plano as discussões políticas da época, não por não serem importantes, mas seriam uma forma de desvirtuar a intenção principal de seu roteiro. Daí ela decide inserir a política em poucas passagens no decorrer da vida de Antonieta e principalmente no seu final, que acaba se revelando o melhor momento para fazê-lo. Isso também justifica a escolha de parar a vida da rainha muito antes de ser guilhotinada, como conta a história, pois este fato final não teria relevância, pois não condiz com a essência da história montada por Coppola. A diretora consegue realizar mais um trabalho de destaque, que talvez não agrade a todos pela falta de verossimilhança com os verdadeiros acontecimentos (e boatos) sobre a vida de Antonieta, porém dá um caráter bastante autoral para a personagem.

É preciso um pouco de senso para que a admiração do longa não fique somente na direção de arte, figurino e aspectos técnicos que, realmente estão impecáveis, mas não se limitam a isso. Tudo na trama é bem fundamentado e seria impossível que Coppola não soubesse com clareza o que estava fazendo. Por mais que não seja sua melhor obra (particularmente, acredito que “As Virgens Suicidas” seja sua melhor contribuição ao cinema), “Maria Antonieta” mostra um mundo controverso que gera controvérsia a quem assiste. Se você procura um registro histórico cheio de maneirismos de filmes de época, passe longe. A Maria Antonieta de Coppola mostra seu lado cool, ao som de rock, aspirações, guloseimas e luxo. É um retrato de uma menina que não é tão diferente à nossa juventude atual e tais semelhanças levantam interessantes debates sobre isso.

NOTA 4 ÓTIMO